quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Tarrafal começou há 73 anos


Muitos ainda se recordarão da imensa mole humana que acompanhou, em Lisboa, logo a seguir à Revolução, a transladação para o Cemitério do Alto de S. João em Lisboa dos restos mortais dos dos prisioneiros falecidos no Campo da Morte Lenta.
Recordo-me de ter chegado a casa e ter escrito:


Quem disse que os pássaros depois de mortos
se esquecem do cativeiro ?

Quem disse?

Cedo ou tarde haviam
de quebrar-se as algemas
os gritos roucos abafados
as doenças incuráveis.

Cedo ou tarde os heróis
voltariam para sentar-se
no trono das mãos entrelaçadas
que justifica a odisseia.


ou ainda

(ouvindo falar um dos sobreviventes do Tarrafal )


Para que as feridas não sarem
apenas com o fumo do tempo
porque a morte existiu ali
no campo do perpétuo tormento
te recordo quotidiano
em palavras de mar jurando
esse desejo de verde ventre
neste caminho de deserto.

Aqueles que em hino cantaste
- conchas de água no meio da sede -
homens oásis     perenes
onde sempre o ódio se vede
jamais partirão à voragem
de um pragal de sofrimento.


E porque a morte não resiste
a vida persiste
e os vivos e os mortos passam
de abraço em abraço
num arrepio quase faminto
de um infinito que esmaga.


e já passaram cerca de 30 anos...

3 comentários:

Ana Paula Fitas disse...

Gostei muito da forma como evocou esta memória... mesmo muito! Obrigado, T.Mike. Abraço :)

Maria Josefa Paias disse...

Uma homenagem muito bonita, e também sentida.
Um abraço.
Josefa

Miguel Gomes Coelho disse...

Amigas,
obrigado pelos comentários.
É o que nos fica e o que ainda nos faz recordar.
Ainda me recordo bem, foi colossal.

A Hora da Poesia- Rádio Vizela

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